Conto de mistério - 7º ano



O CASAL DE VELHOS

(...)Quase uma hora de caminhada e via apenas a estradinha se

espichando, em direção ao monte de terra. Tomaria chuva, com

certeza. No máximo, tentaria se esconder de baixo de uma

daquelas arvorezinhas raquíticas que margeavam o caminho. A

escuridão aumentou ainda mais, fazendo com que aquele homem

danado de corajoso, tivesse medo do temporal e do aguaceiro que

estavam para vir. Pensou em correr um pouco, mas desistiu,

achando que nada adiantaria. Olhou para cima, como que

buscando explicação, e resmungou: “Que venha água, que eu não

Mal acabara de resmungar, avistou uma casinha branca e suja, na beira da estrada

quase sem vegetação. Manezinho levou um susto que o fez arrepiar: até bem pouco tempo

atrás, algumas dezenas de passos antes, a casinha não estava ali. Ou estava vendo uma

miragem ou o medo da tempestade era real e não o estava deixando ver nada a sua frente. De

qualquer forma, após a primeira impressão de estranhamento, apressou-se em bater à porta e

pedir guarida, antes que a natureza o castigasse:

Ouviu um ruído de ferro rangendo e a porta de madeira se abriu. Um rosto velho,

cheio de rugas, mas simpático, apareceu com um sorriso acolhedor.

Manezinho se explicou à velha senhora:

_Vem chuva brava aí, minha senhora. Ainda estou longe da cidade… a velha olhava

ternamente para Manezinho. _…se a senhora não se importar…

_Claro que não, meu filho. Entre. A casa é pobre, mas dá para receber mais um.

_Fique à vontade disse, levantando para cumprimentá-lo com uma enorme mão fria

sente-se. Manezinho sentou-se. os velhos também se sentaram. Pareciam tristes, mas queriam

Um cheiro forte de velas tomava conta do cômodo e da história.

_ Você não tem família?

Manezinho não soube quem perguntou, se o velho ou a velha. Teve a impressão de

que a voz não viera de nenhum dos dois. Que viera de algum outro lugar, tamanha era a

quietude silenciosa do casal de velhos.

_ Não tenho. Já tive um dia! Tive duas.

_ É. Uma família onde eu nasci e outra que me criou desde pequeno. Depois que eu

cresci e aprendi uma profissão, resolvi correr o mundo à procura de meus pais verdadeiros.

_ E ainda não encontrou seus pais verdadeiros?

Manezinho entendeu que a pergunta tinha vindo da velha senhora. A fraca luz das

velas e o escuro do cômodo davam-lhe a impressão de que ela era transparente, algo

nebuloso, sem consistência. Achou que fosse maluquice seu efeito do cansaço e medo da

Olhou mais fixamente para ela e respondeu:

_ Não. Acho que nem vou encontrar. Mas gostaria muito de encontrá-los e dizer que

gosto muito deles, mesmo tendo sido criado por outras pessoas. Eu tenho uma fotografia

deles me carregando no colo. Está muito gasta e estragada. Mas é a única pista que tenho para

procurá-los. Quem sabe, um dia…

 _Nós também passamos boa parte da vida procurando o único filho que tivemos…

Manezinho teve a impressão de que fora o velhinho o dono da fala. Continuou a conversa

_ O destino tirou nosso filho. Eu não gostaria de morrer sem ver nosso filho. Um

silêncio mortal, regado a cheiro de vela, barulho de chuva, trovões e relâmpagos, interrompeu

momentaneamente a conversa.

_ Vou fazer uma sopa. O senhor aceita tomar um prato conosco?

A velha senhora foi ao outro cômodo, que estava fechado, e no mesmo instante voltou

com dois pratos de sopa. Ofereceu um ao velho e o outro a Manezinho. Voltou, buscou outro

para si e veio sentar-se junto deles.

_ É uma sopa pobre, mas é a mesma que ofereceríamos ao nosso filho se o

encontrássemos. Manezinho tomou a sopa mais por gentileza. Não tinha gosto algum o líquido

Dormiu cansado, ainda com fome, com frio e uma esquisita sensação de não estar

entendendo direito sua presença naquela casa e a conversa com o casal de velhos. Dormiu

mal, uma noite cheia de sonhos estranhos, pesados e incompreensíveis.

Acordou da noite mal dormida com a luz forte do sol filtrada pelo grosso vidro da porta da

casa. Ainda cansado pela noite de sono ruim, correu lentamente os olhos pelos espaços da

casa. Procurando primeiro a presença dos velhos e depois os objetos conhecidos. Não

encontrou nem uma coisa nem outra. Não havia barulho de pessoas, só silencio. Não havia

sinais de vida. Só três cadeiras escuras encostadas à parede e quatro cavaletes de ferro

cromado. Na frente dos cavaletes, como se fosse um altar, enormes castiçais com grandes

velas brancas pareciam arrumados para alguma cerimônia. Ele deu um pulo, o coração

batendo desesperado, quase à boca, e correu para a porta, abrindo-a imediatamente.

(...) Acabara de passar a noite na capela do cemitério da cidade.

Apanhou sua carteira e, atrapalhado, remexendo papeis e cédulas velhas de dinheiro,

pegou uma pequena fotografia. Nela, um casal abraçava carinhosamente uma criança de cerca

de três anos, era a foto dele com seus pais verdadeiros, primeira e única foto, relíquia

guardada por anos e anos.

Manezinho levantou-se, trêmulo, e se aproximou da foto maior da parede. Somente a

A cidade toda ouviu o grito de Manezinho.

GARCIA, Edson Gabriel . Sete Gritos de Terror. São Paulo, Moderna, 1991.

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